José Paulo: longe das vitrines da Bela Cruz
- Ana Carolina Meirelles
- 2 de jan. de 2019
- 4 min de leitura

Narrar José Paulo. Contar José Paulo. Aos 86 anos, vive tranquilo na sua Fazenda, no Taboão, município de Soledade de Minas. Na Revista Sem Fronteiras IV, apresentamos um pouco da história da Bela Cruz pela perspectiva de Darci Junqueira. O Zé Paulo é irmão do Darci. Mas aquele que não aparecia muito. E assim continua. Não gosta de aparecer muito. Há uns 10 anos, ele vendeu sua parte na Fazenda Bela Cruz e mudou de ares, de lugares. Zé não parece ser muito apegado a nada. Compreende a marcha e toca em frente. Algo que lembra a música do Almir Sater…
Inacreditável, um corpo de 86 anos e uma mente de 30. Dono de uma personalidade franca, lembra e fala do passado, do presente e do futuro com muita desenvoltura. O que ele mais gosta? Assistir a um jogo do Flamengo. Paixão que começou ainda na juventude. Um simples rádio a pilha já resolvia a vida do José Paulo. E quando olho para a sala em que ele nos recebe em sua casa, não demora para que seja possível avistar um rádio bem conservado que funciona na frequência AM. Tiro fotos do rádio.
Tiro fotos do Zé Paulo. Escuto o Junior Lollobrigida dizer que ele é muito Meirelles. De fato, reconheço o timbre - a peculiaridade desta família, a qual também assino o nome - no jeito de ser do antigo criador: Meirelles tem uma relação interessante com a vaidade - ou a falta dela, e é por isso que se vê beleza original. No universo do Mangalarga Marchador, há muito sobre vaidade, vitrines, ego e status - José Paulo é o oposto disso. A sua existência é capaz de personificar a complexidade da família Junqueira e Meirelles, que compôs a Bela Cruz com suas notas diversificadas, seu Cego, Líder, Farrapo, Madrigal e estação de Tabatinga Predileto.

Não adianta. As pessoas do meio gostam da Bela Cruz. Estão sempre falando da Bela Cruz. Por isso, falamos aqui do José Paulo. Histórias que passam pela conservação da casa da Bela Cruz, construída em 1855, em uma negociação nos anos 70, e que logo veio a ser comprada pelo seu primo Dr. Marcelo Junqueira - o “Coroa”. Ele diz, “se aquela casa ainda existe, muito se deve a mim”, obrigada Zé, obrigada Marcelo.
Em 2006, Marcelo Junqueira doou a casa da Bela Cruz em contrato de comodato, para a Fundação Barão de Alfenas, que tem o Ministério Público de Minas Gerais como curador e fiscal direto de sua gestão e atividades. Localizado na Praça da Matriz, no centro de Cruzília, o Museu foi um sonho construído coletivamente pelos criadores de Mangalarga Marchador em parceria com a ABCCMM e o Instituto Cultural Flávio Gutierrez.
BIO -
José Paulo Meirelles Junqueira nasceu em São Vicente de Minas em 30 de junho de 1932, filho de Sr. Argentino dos Reis Junqueira e Ofélia Meirelles Junqueira. Com 5 anos, foi morar em Sapucaia (RJ) com sua família e passaram por lá alguns anos, até voltarem para o Sul de Minas. É farmacêutico, formado em Juiz de Fora (1953) e casado com Lúcia Leite Junqueira (1969). Manteve farmácia em Cruzília e se dividia entre os afazeres da Fazenda, afazeres políticos ( vice-prefeito de Cruzília de 63 a 69) e esportivos (centroavante do centenário Sete de Setembro Futebol Clube de Cruzília) . Não teve filhos, mas tem Dalmir como filho do coração.
Uma lua de mel de fusca em uma viagem de 7.000 km para a Argentina e Uruguai é uma memória que relembra com muito entusiasmo. Cavalos que sempre estimou muito na BC foram Kodak, Farrapo (Campeão Nacional 1982), Irapuru e Líder (Campeão Nacional em 1983). Padrinho de José Maurício Junqueira, também criador (Barão de Alfenas), com quem conversa frequentemente.
Desfaz-se alguns nós do passado e vem à luz outras versões da história, como a constituição do criatório Herdade, que tende mais para Bela Cruz que para Engenho de Serra, devido às matrizes BC utilizadas no plantel. Um dos cavalos de sela que marca José Paulo foi Candidato BC, filho da famosa égua Baiana, do Engenho de Serra.

Relembra sobre as estações de monta feitas na base da amizade, sobre os não-contratos e palavra por palavra na compra e venda de gado com Geraldo Barbosa Meirelles (Fazenda Boa Vista), da mocidade com Antônio Barbosa Meirelles, companheiro das festas e noitadas. Sertão Lobos, que na verdade é Bela Cruz, mas registrado na Associação Paulista. José Paulo acredita que o cavalo é o melhor divertimento, “o cavalo acaba sendo o melhor divertimento para a Fazenda, sem cavalo fica ruim, tem que ter cavalo na Fazenda” e já emenda na fala rápida e altiva, “Você viu a propaganda da Globo?” (sobre os cavalos movimentarem a economia). Hoje, José Paulo não tem mais matrizes, no entanto, mantém cavalos de sela na Fazenda e uma sala impecável de arreamentos, com arreios de estimação e selas do Fuga - tão raras e valiosas quanto sua personalidade de quem se manteve longe das vitrines da Bela Cruz por todos estes anos…