Fazenda Boa Vista: o último pouso do Barão
- Revista Sem Fronteiras Marchador
- 19 de ago. de 2016
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Sede da Fazenda Boa Vista, em Cruzília, Minas Gerais.

Da construção à história: fazendas de Minas
A história do Mangalarga Marchador acompanha a trajetória do desbravamento das terras do sul de Minas no período do Brasil colonial. A ocupação do território localizado nas proximidades da comarca do Rio das Mortes (atual São João Del Rey) se deu em meados do século XVIII e é caracterizada pela expansão das atividades agropecuárias na região por uma sociedade formada, essencialmente, por imigrantes portugueses.
Sesmarias foram concedidas a estes imigrantes que dominavam técnicas para criação de animais e de plantação para subsistência. Este tipo de ocupação interferiu no perfil das Fazendas formadas na região do sul de Minas. "Tratava-se de fazendas que produziam toda sorte de gêneros alimentícios e de abastecimento, gêneros que atendiam ao mercado regional e eram exportados para outras praças, principalmente, para o Rio de Janeiro", escreve o historiador Carlos A. Lemos.
Já para Caio Prado JR, as fazendas do sul de Minas foram uma exceção no cenário nacional, "e é aqui que encontramos as principais daquelas poucas exceções de grandes propriedades, fazendas, ocupadas, unicamente, com a produção de gêneros de consumo interno". Além destas, outras propriedades exportavam sua produção que excedia o seu consumo próprio.
Sobre estas considerações, é possível afirmar que essas fazendas, antes de tudo, serviam a si próprias, sustentando sua autarquia ibérica, individualista e personalista. Foram denominadas, então, como "Fazendas de abastecimento", destinadas ao consumo e também à exportação. O surgimento destas propriedades ocorreu no fim do século XVIII e se consolidou no século XIX.
O sul de Minas viria a ser, após a vinda da família real para o Brasil, o principal pólo abastecedor da corte e de suas relações com todo o império. Neste contexto é que se insere a Fazenda Boa Vista, provavelmente construída no fim do século XVIII. Ela foi uma Fazenda de abastecimento e, como outros pilares do Mangalarga Marchador, guarda hoje um patrimônio arquitetônico e histórico, inclusive, já inventariado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Fazenda Boa Vista: o último pouso do Barão
A Fazenda Boa Vista está localizada na estrada que leva Cruzília à Luminárias. A sede, datada do século XVIII, preserva ainda a arquitetura clássica da época. Assim que se faz a curva para a entrada da Fazenda, é possível avistar o casarão que se encontra no alto da colina. A beleza do lugar, que permite vistas para a Serra da Traituba e Serras de São Thomé das Letras, certamente foi a responsável por dar nome à Fazenda.
Os relatos sobre o período exato da construção da Boa Vista, bem como seu primeiro proprietário, são ainda desconhecidos pelos historiadores. Tudo o que se tem notícia é que em meados do século XIX foi de propriedade de Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, que ao envelhecer foi morar na Boa Vista. Em inventário feito após sua morte em 1873, consta que deixou as benfeitorias da Fazenda para seus filhos, Domingos Theodoro Junqueira (1850-1914) e o caçula, Joaquim Tibúrcio Junqueira (1864-1922). Com a divisão dos bens, a Boa Vista viria a substituir a sede de Fazenda tronco desta região, a Fazenda Campo Alegre.
"Nas Fazendas Campo Alegre, Narciso e Boa Vista, havia produção de queijos, além de engenhos de serra, moinhos, monjolos, currais, casa de fumo e tropa de cavalos";
A Volta dos Criminosos; Ricardo L. Casiuch, Maria Petronilha F. Junqueira,2007
Maria Petronilha Junqueira, bisneta de Joaquim Tibúrcio, conta em seu artigo "A volta dos Criminosos" o começo da história inventariada da Fazenda Boa Vista. "Por volta de 1882, (...) os dois irmãos e sócios venderam a belíssima Boa Vista e adquiriram a Fazenda dos Criminosos, então na localidade de Silvestre Ferraz, (hoje Carmo de Minas)". Petronilha escreve que quando fizeram sua mudança, levaram todos seus pertences: escravos, móveis, mudas de jabuticabeiras, todos os santos da capela - e entre eles a estátua de São Tomé, quadros, gado, o ferro-de-marcar com as iniciais do seu avô, "GF" (de Gabriel Francisco, o Barão de Alfenas), e também os cavalos Sublime/Mangalarga Marchador, que herderam da partilha do Barão.
A Fazenda foi comprada na década de 1950 por Geraldo Barbosa Meirelles (Barbosinha). Após sua morte em 2010, a sede da Fazenda passou para os seus cinco filhos, que deram continuidade à criação de Mangalarga Marchador.
Haras Beta
Geraldo Barbosa dedicou toda sua vida à seleção de Mangalarga Marchador. Para iniciar o plantel, usou animais da linhagem JB, de seu amigo Urbano de Andrade Junqueira, e Bela Cruz, de seu primo, e muito amigo, Argentino dos Reis Meirelles. No começo dos anos 1990, Candidata Beta e Junqueira Torpedo conquistaram o campeonato nacional na categoria. Junqueira Torpedo morreu muito novo, com apenas cinco anos de idade, mas deixou como filho o excepcional Itaqui Herdeiro. Com um pedigree lendário, Herdeiro conquistou vários campeonatos durante sua vida em pista, mas entrou para a história ao mostrar-se um exímio reprodutor. Um de seus filhos, Cometa PR (Itaqui Herdeiro X Tulipa Pedra Ramada) sagrou-se, em 2008 e 2010, Reservado Campeão dos Campeões Nacional de Marcha. Sua neta, Sinirinha Alcântara (Itaqui Ninja X Sinira do Berma), em 2013, foi Campeã das Campeãs Nacional de Marcha. E seu pai Itaqui Ninja (Itaqui Herdeiro X Completa P.R.), em 2001, Reservado Campeão dos Campeões Nacional de Marcha, e Campeão dos Campeões nacional de Marcha, em 2003.
As éguas base que constituíram o início da tropa foram Guanabara Beta, Gaúcha Beta e Garoa Beta. Hoje, na Fazenda Boa Vista, sua filha Rainha Beta revela-se uma ótima matriz, com muito pedigree e filhos excepcionais.

Detalhes arquitetônicos da Fazenda Boa Vista
As Fazendas construídas no Sul de Minas, entre o fim do século XVIII e século XIX, caracterizam-se pela sua arquitetura própria, diversa das outras regiões da Capitania. Carlos A. Lemos, sobre esta constatação, escreve no seu livro, "Fazendas do Sul de Minas Gerais: arquitetura rural nos séculos XVIII e XIX" que essa constante corrente imigratória talvez tenha contribuído para a diferenciação das fazendas do sul de Minas das fazendas de outras regiões da capitania, especialmente por causa dos mestres-construtores, que eram, em sua maioria, portugueses".
Esta arquitetura rural é definida pelos estudiosos como "clacissimo singelo". Aspectos dela são facilmente reconhecidos nestas Fazendas. Janelas ordenadas e alinhadas, fachadas de modo simples e austero, tradição chã-arquitetura, são alguns exemplos. A sede da Boa Vista imprime detalhes desta construção, portas e janelas muito altas. Misto de características que conferiram às fazendas imensa força e simplicidade. Carlos A. Lemos em seu livro (citado acima) confere o sentido para a grande dimensão das portas e janelas:
"por vezes, parece-nos que as proporções exageradas nas relações de escala com o homem, notadas na altura do pé-direito, nos portais e nas janelas, são uma questão simbólica, uma vez que a técnica construtiva era a mesma para todas as classes sociais. Os proprietários mais abastados utilizavam-se da fartura de materiais e das proporções exageradas, além de maior riqueza de detalhes, para expressar sua posição social" Carlos A. Lemos
Hoje, a Fazenda Boa Vista se encontra em ótimo estado de preservação do seu patrimônio arquitetônico, mas em estado de conservação defasado.
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